Projecto Elvas
The Elvas Project
Hexalogia dedicada ao Cancioneiro de Elvas (séc. XVI)
Hexalogy dedicated to the Cancioneiro de Elvas (16th century)
[Primeira Parte]
Volumes 1—3
As 65 canções profanas: vilancetes, cantigas, tercetos e outros
The 65 secular songs: vilancetes, cantigas, tercetos, and others
I—III
Segvda Parte
Volumes 4—6
Nova música, de Filipe Faria e Sérgio Peixoto, para os 36 romances, glosas, vilancetes e cantigas
New music, by Filipe Faria and Sérgio Peixoto, for the 36 romances, glosas, vilancetes and cantigas
I—III
Hexalogia dedicada ao Cancioneiro de Elvas, manuscrito português do terceiro quartel do século XVI (BME Ms. 11793/P-Em 11793). Dividido em duas partes, o projecto canta as 65 canções profanas conservadas no códice: vilancetes (ou vilancicos), cantigas, tercetos e outras formas poético-musicais (volumes 1 a 3) e propõe nova música, de Filipe Faria e Sérgio Peixoto, para os 36 romances, glosas, vilancetes e cantigas que aí se encontram sem música (volumes 4 a 6).
Hexalogy dedicated to the Cancioneiro de Elvas, a Portuguese manuscript from the third quarter of the 16th century (BME Ms. 11793/P-Em 11793). Divided into two parts, the project sings the 65 secular songs preserved in the codex: vilancetes (or villancicos), cantigas, tercets, and other musico-poetic forms (volumes 1 to 3) and proposes new music, by Filipe Faria and Sérgio Peixoto, for the 36 romances, glosas, vilancetes, and cantigas found there without music (volumes 4 to 6).
O Cancioneiro de Elvas (Biblioteca Municipal de Elvas, Ms. 11793/P-Em 11793), manuscrito português do terceiro quartel do século XVI, descoberto cerca de 1928 na cidade de Elvas e publicado, pela primeira vez, em Coimbra, em 1940 (1), encontra-se dividido em duas partes: a primeira compreende um conjunto de sessenta e cinco canções polifónicas profanas — vilancetes (ou vilancicos), cantigas, tercetos e outros géneros poético-musicais —; a segunda compõe-se de trinta e seis romances, glosas, vilancetes e cantigas.
“Durante alguns dias vi e tornei a ver o pequeno códice, com música e letra, ao qual faltavam fôlhas no princípio e no fim, e por mais que indagasse, na minha modesta livraria musical, nada encontrei que levasse os meus olhos a deslumbrarem-se perante a descoberta extraordinária que então tinha feito.” (1)
De tamanho reduzido — 145 × 96 mm —, o códice original perdeu os primeiros trinta e nove fólios (e a sua música), bem como outros quatro (fóls. 50, 105, 107 e 109). A música apresenta-se “disposta tal como era usual na época: as diferentes vozes escritas por separado, no verso de uma folha e recto da seguinte, de modo que perante o livro aberto todos os executantes pudessem ler simultaneamente as suas partes”. (2)
“Todo o conteúdo do Cancioneiro elvense foi escrito por um só copista. Pelo cuidado posto na transcrição da música e do texto e pela perfeição admirável da caligrafia, mostra ter sido executado por mão de profissional.” (3)
A primeira parte do Cancioneiro é composta por “três camadas de reportório polifónico, distribuídas por quatro colecções: duas colecções de peças do reportório ibérico de c. 1500, respondendo maioritariamente à classificação de vilancetes; uma colecção de peças portuguesas, classificáveis em geral como cantigas, provavelmente da 1.ª metade do século XVI; e um grupo de composições de gosto italianizante de origem igualmente portuguesa, do terceiro quartel do século”. (4)
Entre as composições que integram a primeira parte do códice, é possível identificar vinte e quatro concordâncias musicais e trinta e três textuais, distribuídas por alguns dos mais importantes manuscritos da época: o Cancioneiro de Paris (Ms. Masson 56, École de Beaux-Arts, Paris); o Cancioneiro de Lisboa (Ms. C.I.C 60, Biblioteca Nacional de Lisboa); o Cancioneiro de Belém (Ms. 3391, Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, Lisboa) — que integram, a par do Cancioneiro de Elvas, a colecção de quatro cancioneiros portugueses do século XVI que chegaram até nós —; o Cancionero de Palacio (Ms. 1335, Real Biblioteca, Madrid); o Ms. Magl. XIX 107 bis (Biblioteca Nazionale Centrale, Firenze); o Cancionero de Segovia (Ms. mus. Archivo Capitular, Catedral de Segovia); ou o Cancionero de Barcelona (Ms. 454, Biblioteca Central de Barcelona). (5)
De notar que, nos cento e um textos e composições do Cancioneiro de Elvas — oitenta e dois em castelhano e dezanove em português —, não se encontram indicados os nomes dos respectivos autores ou compositores. Ainda assim, foi possível atribuir, na primeira parte do manuscrito, a autoria de sete composições a Juan del Encina (1469–c. 1529/30), Pedro de Escobar (c. 1465–
–depois de 1535) e Pedro de Pastrana (c. 1480–depois de 1559), e de doze textos a Garcí Sánchez de Badajoz (c. 1460–1526), Salazar el Hermitaño, Comendador Escrivá, Dom Afonso de Menezes (fl. primeira metade do século XVI), Juan del Encina e Dom Manuel de Portugal (c. 1520–1606). Na segunda parte, surgem novas atribuições textuais a muitos destes autores, com a inclusão de Pêro de Andrade Caminha (c. 1520–1589). (6)
“Durante o século XVI, e mesmo antes, a língua portuguesa era bem conhecida em Espanha, e, inversamente, muitos poetas portugueses escreviam frequentemente em castelhano. Além disso, o castelhano era uma língua em voga na corte portuguesa”. (7)
A frequência de textos não atribuídos sugere uma cultura de circulação paralela de composições e poemas, tanto de autores reconhecidos como de outros, anónimos — uma prática assente na partilha e na escuta, onde o valor da obra reside, muitas vezes, na sua ressonância emocional e na eficácia poética ou performativa. Este diálogo de línguas e autores ibéricos reflecte a permeabilidade cultural da Península no século XVI e inscreve-se num dos momentos de maior densidade estética e simbólica da sua história musical e literária. Nesse contexto, consolida-se um repertório onde a sofisticação formal se alia a uma expressividade intensa, revelando tanto a continuidade de práticas enraizadas como a assimilação de ideais humanistas.
Do ponto de vista formal, o vilancete (ou vilancico) — estrutura recorrente no manuscrito — organiza-se em torno de um mote (ou estribilho), seguido de coplas e voltas, numa disposição que favorece a variação melódica e reforça o efeito expressivo do conjunto poético. Os textos tratam, sobretudo, de temas amorosos e de lamento, mas incluem também alusões ao quotidiano, e, pontualmente, à sátira, num registo onde o lírico e o mundano convivem. A linguagem directa ou as repetições e o uso de expressões populares acentuam a proximidade com o universo performativo.
Mais do que repositório de poesia e música, o Cancioneiro de Elvas oferece um retrato das práticas criativas do seu tempo — práticas essas em que o anónimo dialoga com o letrado, o dramático com o quotidiano, e o culto com o popular. Testemunha de um mundo em transição, o manuscrito permite entrever a complexidade e a vitalidade da poética ibérica do Renascimento.
Depois de vinte e seis anos de visitas constantes ao Cancioneiro, Sete Lágrimas propõe mergulhar neste pequeno códice e fazer ouvir, numa hexalogia, toda a sua música... a que está escrita (volumes 1—3) e aquela que podia estar (volumes 4—6). É esta a nossa nova viagem.
Filipe Faria
(1) Manuel Joaquim, O Cancioneiro Musical e Poético da Biblioteca Públia Hortênsia, Coimbra, 1940, p. 7
(2) Manuel Pedro Ferreira, Cancioneiro da Biblioteca Publia Hortensia, IPPC, Lisboa, 1989, p. VI
(3) Manuel Morais, Cancioneiro Musical d’Elvas, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1977, p. VI
(4) Manuel Pedro Ferreira, Cancioneiro da Biblioteca Publia Hortensia, IPPC, Lisboa, 1989, p. VIII
(5) Concordâncias identificadas e sistematizadas em Manuel Joaquim (1940), Manuel Morais (1977), Gil Miranda (1987) e Manuel Pedro Ferreira (1989)
(6) Atribuições identificadas e sistematizadas em Joaquim (1940), Morais (1977), Miranda (1987) e Ferreira (1989)
(7) Gil Miranda, The Elvas Songbook, American Institute of Musicology, Neuhausen-Stuttgart, 1987, p. XIV